O mundo de bens de consumo exercia uma atração especial, e eu nutria o sonho de atuar em marketing, expressando essa vontade na companhia. Certo dia, recebi o feedback de que essa transição não seria fácil em função do meu background, da origem humilde e da falta do inglês. Não me dei por vencido. Fui fazer pós-graduação na ESPM e me dediquei de forma consistente ao estudo do inglês.
Na Quaker, tive oportunidades de experiências internacionais e, quando passei uma temporada em Chicago, finalmente perdi o medo do idioma. O mundo se abriu, mas eu sentia falta ainda de desenvolver um aspecto ligado a comportamento e atitude. Tendo o estudo como valor, resolvi fazer um curso de análise transacional e, no processo, tive eu mesmo de ser analisado.
O diagnóstico apontou uma pressa muito grande, dessas que, se por um lado apresentam aspectos positivos, de outro fazem com que o indivíduo acabe renegando a vida pessoal. Para mim, lazer era buscar conhecimento. Isso me satisfazia de tal forma que coisas simples, tão importantes quanto jogar bola com os amigos e estar com a família, ficavam em segundo plano.
É fato que obtive várias conquistas, como cursar MBA na USP e conseguir cumprir a meta de me tornar diretor aos 36 anos. Isso aconteceu na Schahin Engenharia, onde trabalhei após outras experiências relevantes na Philip Morris e na Ericsson. Da Schahin fui para a Alcatel como diretor estatutário.
Paralelamente à vida nas organizações, desenvolvi também carreira na academia, iniciando atividades docentes na ESPM em 1997. Após jornada de três anos na Alcatel, por um breve período empreendi com uma consultoria ligada a marketing, vendas e recursos humanos, porém o mundo corporativo bateu à minha porta novamente, e assim surgiu o desafio na Leão Alimentos, uma empresa da Coca-Cola.
O grupo ampliara seu portfólio com a aquisição de parte da Del Valle. Eu estava realmente empolgado com o projeto. Entretanto, em 2010 comecei a ter problemas de saúde. Inicialmente, veio o diagnóstico de burnout e, depois, de um câncer em estado avançado.
Fiquei 14 dias internado, sendo submetido a uma técnica agressiva. Pensei que iria morrer, contudo não me entreguei. Eu dizia aos médicos: eu cuido da minha cabeça, e vocês, do câncer. Recebi todo o apoio da empresa enquanto estive em tratamento, durante cerca de seis meses. Voltei a trabalhar e, quase um ano depois, tive recidiva, o que me levou a fazer um transplante de medula.
Por questões de imunidade, precisei ficar 49 dias confinado em um quarto, sem receber visitas. Foi aí que percebi, de fato, o peso da falta do contato com as pessoas. Mantive a resiliência, criei uma rotina e li muito, dessa vez não livros técnicos e sim sobre espiritualidade.
Ressignifiquei a minha vida. Verdadeiramente não deixo para amanhã o que posso fazer hoje, o abraço que posso dar, o convívio que posso ter. A inquietude, essa persiste, porque sei o que eu não quero, mas me mantenho aberto para o que ainda pode vir a ser.”
*Entrevista concedida enquanto diretor de RH, sustentabilidade e relações governamentais da Leão Alimentos e Bebidas. Acompanhe a trajetória no LinkedIn
Por Thaís Aiello, com imagens de Gladstone Campos
