GESTÃO DA CARREIRA EM TEMPOS DE CRISE

Vicky Bloch_Gestão da carreira em tempos de crise

Vicky Bloch: os dilemas e os desafios da gestão da carreira em tempos de crise

Os desafios para os profissionais que, apesar da crise, não descuidam da gestão da carreira 

Por Thaís Aiello, 08.08.17

Quem imaginaria que o Brasil, há poucos anos a bola da vez e usufruindo do pleno emprego, se tornaria um país com mais de 14 milhões de desempregados? Pois a realidade está aí, desafiando os profissionais que, passada a tempestade, querem estar prontos para um novo ciclo de crescimento. O Panorama Executivo traz aqui a análise de Vicky Bloch, da Vicky Bloch Associados, sobre gestão da carreira em tempos de crise.

Panorama Executivo  A crise atual sempre parece a mais terrível para quem a vive. Na história recente do Brasil, temos paralelos com a situação enfrentada hoje pelos profissionais do país diante do desafio de gerir a carreira em tempos adversos?

Vicky Bloch O Brasil vivenciou uma situação de crise na década de 90 que guarda alguma semelhança com a realidade atual. De 1990 a 1995 atingimos a marca de 12 milhões de desempregados no país. A diferença, e não sei dizer se para melhor ou pior, é que, àquela época, não havia a menor noção do que significava fazer gestão da carreira. Na esteira da era da industrialização, as pessoas simplesmente não sabiam o que era ter a carreira nas próprias mãos. A consciência só ocorreu quando esse contingente todo perdeu o emprego. Com o Brasil se abrindo para a globalização, muitas pessoas se viram obsoletas, no sentido de não se adequarem às demandas do mundo do futuro.

Panorama Executivo – E o que aconteceu no universo do trabalho?

Vicky Bloch As estruturas encolheram, e a diminuição de vários níveis praticamente dizimou a média gerência. De início, não houve a otimização de processos nas organizações, até porque os resultados empresariais se beneficiavam da ciranda de aplicações no mercado financeiro. Em determinado momento, o chamado à competitividade acabou se impondo, o que tornou imperativa a revisão de processos e práticas, em uma dinâmica que, todavia, não devolveu ao mercado as posições existentes até então. Para os indivíduos, isso significou um grande choque, suscitando a reflexão e a busca de alternativas para garantir trabalho e renda, ainda que em condições menos favoráveis do que a anterior.

“Pensei que a experiência passada tivesse  nos deixado várias lições. Ledo engano”

Panorama Executivo – Naquela ocasião, os serviços de outplacement ganharam visibilidade, não? Muitos executivos demitidos receberam esse apoio de seus ex-empregadores para fazer a transição de carreira.

Vicky Bloch – Verdade. Pois eu pensei que a experiência passada tivesse nos deixado várias lições sobre a importância de tratar com dignidade as pessoas na demissão e de fornecer suporte para seu reposicionamento na carreira e na vida. Ledo engano. Os aprendizados que deveríamos ter feito ficaram em algum lugar pelo caminho, e essa constatação gera em mim certa frustração, pois empreendi grandes esforços no sentido de criar essa consciência, tanto por parte das empresas e seus dirigentes, quanto por parte dos profissionais.

Panorama Executivo – Como você avalia a questão hoje, sob a ótica das empresas?

Vicky Bloch – São plenas as condições de apoiar as pessoas para que compreendam o contexto e possam se preparar para atuar de acordo com os novos paradigmas das relações de trabalho. Entendo que haja mesmo um aspecto de responsabilidade social enquanto empregador, pois a problemática da demissão transcende o indivíduo para se tornar uma questão mais ampla, que exige visão sistêmica. O suporte ao profissional desligado contribui para a retomada da economia e para a credibilidade das relações na própria organização. Contudo, na prática, o que se constata é que essa responsabilidade não vem sendo exercida nos dias atuais.

Panorama Executivo – E do ponto de vista dos profissionais, qual a sua análise?

Vicky Bloch –. A grande maioria dos cerca de 14 milhões de desempregados do país está em busca de emprego, segundo a concepção clássica desse termo, ou seja, sob a ótica de um conceito antiquado de vínculo. O horizonte que se abre hoje pressupõe a oferta de trabalho, e não de emprego. Há demanda por servidores eventuais, agrupados por projetos ou causas, que se organizam em grupos e formam uma grande de rede de relacionamentos.

“As relações estão calcadas no curto prazo, sem espaço para discutir desenvolvimento e carreira”

Panorama Executivo – E como está a qualidade das relações no mundo corporativo?

Vicky Bloch – Em muitas empresas, imperam as agendas individuais, causando uma miopia quanto à compreensão de que o todo é maior do que a parte. Essa postura afeta o clima e o ciclo evolutivo das organizações, suprimindo o espaço da confiança, da admiração para com os líderes e do estabelecimento de parcerias, inclusive no que se refere ao desenvolvimento das carreiras. Vemos que as relações estão calcadas no curto prazo, sem espaço para discutir esse aspecto. E é assim que, sem ter o devido suporte, o profissional não hesita em deixar o empregador diante de uma oportunidade que soe melhor.

Panorama Executivo – Como fazer a gestão da carreira em tempos tão complexos?

Vicky Bloch – A carreira não deve ser confundida com a profissão escolhida, até porque há sempre o risco dessa última se tornar obsoleta e anacrônica com o tempo, deixando mesmo de existir. Ou seja, carreira tem a ver com o exercício do autoconhecimento, com testar competências e não parar nunca de aprender. Diz respeito ao conteúdo de atividades e ao acúmulo de ciclos, arsenal que confere às pessoas novas possibilidades e alternativas no campo profissional. É isso que faz a diferença na hora de buscar um reposicionamento – e a expressão mais apropriada é mesmo reposicionamento e não recolocação no mercado.

Panorama Executivo – Quais os caminhos para esse reposicionamento?

Vicky Bloch – O autoconhecimento é o navegador, o elemento que ajuda a rastrear e encontrar as atividades para as quais você vem se preparando ao longo da trajetória. O curto prazo deve servir como um viabilizador do médio e do longo termo, uma ponte para a próxima etapa. Se você integra o contingente dos 14 milhões de desempregados no país, tenha a certeza de que o fator diferencial de sua transição está na gestão da autoestima, no quanto você sabe a respeito de si e em sua capacidade de explorar a rede de relacionamento como multiplicador das suas competências, não no sentido de pedir ajuda, mas para oferecer valor.

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