Especial

Assédio moral no trabalho

Pressões por metas e produtividade criam caldo para assédio moral como estratégia de gestão

Por Thaís Aiello, 08/02/2021

A máxima “manda quem pode, obedece quem tem juízo” ainda é muito presente na realidade das organizações que atuam no país. Mesmo em grandes companhias, com políticas de compliance bem estruturadas, o assédio moral encontra brechas para se instalar. Em algumas estruturas, há leniência com aqueles que entregam bons resultados financeiros, mesmo às custas de destroçar seus times.

Aqui, a especialista Margarida Barreto* fala sobre a dinâmica do assédio moral nas organizações, seus efeitos e consequências.

Assédio moral no trabalho

Panorama Executivo – O assédio moral pressupõe sempre um vínculo de autoridade do assediador sobre o assediado? De que forma a relação de poder se insere no contexto abusivo?

Margarida Barreto –Em 90% dos casos, sim. O assédio moral diz respeito tanto ao abuso de poder quanto à busca de lucros cada vez maiores. Começa na alta gestão, desencadeando um efeito em cascata. As chefias vão pressionando suas equipes em busca de maior produtividade e do alcance de metas. O chefe amedronta todo o time, ameaçando com demissões caso os objetivos não sejam ultrapassados. Com efeito, a meta nunca é fixa, mas flexível, ascendente e crescente. É nesse contexto que o uso do assédio moral acaba por se tornar uma estratégia de gestão. A prática materializa, fundamenta e dá visibilidade à verticalização acentuada da ação autoritária e agressiva com todo o coletivo.

Panorama Executivo – Está aí a diferença entre chefes e líderes?

Margarida Barreto – Ser autoridade não pressupõe autoritarismos. Aqueles que atuam como chefes autoritários não conseguem ser líderes. Não sabem conduzir o seu coletivo de forma ética e humana. O tom ameaçador cria a domesticação, sustentando o clima de interiorização da obediência. O terror nutre a submissão e coloca os trabalhadores a serviço do produtivismo. Mesmo adoecidos, angustiados e estressados, eles vão trabalhar e não se atrevem a desobedecer.

Panorama Executivo – Podemos também falar em assédio horizontal?

Margarida Barreto – O assédio moral horizontal se dá entre colegas. Não raro, conta com a indiferença ou certo estímulo por parte dos chefes, num fomento à disseminação do medo coletivo. Essa prática desestrutura profundamente o espírito de solidariedade, ao mesmo tempo que acirra a competitividade entre as pessoas. A decadência organizacional se explicita, por assim dizer, nas relações abusivas de poder.

Panorama Executivo – E existe assédio ascendente?

Margarida Barreto – É algo raro, talvez em torno de 1% dos casos. Pode ocorrer quando, por exemplo, os trabalhadores se unem para constranger aquele que os humilha. Nessas condições, o coletivo se negaria a fazer aquilo que o assediador impõe. O assédio moral, contudo, tem a ver com uso indevido de autoridade, coma prática de uma violência no âmbito do trabalho. Sob nenhuma circunstância, os trabalhadores devem ser submetidos a essa tortura psicológica, a tratamentos desumanos e/ou degradantes.

Panorama Executivo – Pensando naqueles que, em função do isolamento social, encontram-se em home office, o distanciamento físico previne o assédio moral?

Margarida Barreto – O assédio moral não desapareceu, apenas passou a ser virtual. As cobranças continuam existindo à distância, e muitos afirmam que as exigências dobraram, em um clima de tensão. Os eventos on-line avançam o horário e acontecem em qualquer dia, até finais de semana. Para algumas categorias, o distanciamento físico amenizou a prática do assédio moral, porém não o fez desaparecer. Até porque o vínculo hierárquico, as cobranças e o controle continuam, em reuniões virtuais exaustivas e frequentes. A pressão persiste, e as cenas de humilhação e ridicularização ocorrem agora on-line, sem cerimônia e na frente de todos.

Margarida Barreto_Assédio Moral0

Margarida Barreto possui mestrado em Curso de Pós-graduação pela Pontifícia Universidade Católica/SP (2000) e doutorado em Psicologia (Psicologia Social) pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2005). Atualmente é professora no Curso de pós-graduação em Medicina do Trabalho da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e professora convidada para o curso Transtornos Mentais Relacionados ao Trabalho do IPC – Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da FMUSP.Tem participação como coautora nos livros Assédio Moral – Gestão por Humilhação e Assédio Moral no Trabalho.

Veja também:

Tem uma história real* de assédio moral para contar? Envie para minhahistoria@panoramaexecutivo.com.br

*Sigilo da fonte preservado