CRISE E CARREIRA EM UM MUNDO EM TRANSFORMAÇÃO

É preciso ter abertura para as mudanças, que são o que há de mais permanente diante de instabilidades e incertezas constantes

Darcio Crespi_Crise e carreira em tempos de transformação

Darcio Crespi: o incerto é o que há de mais certo na linha do horizonte

Por Thaís Aiello, 21/09/17

Engana-se quem imagina que a palavra crise está circunscrita a uma questão passageira, um breve momento de dificuldade ou inquietude. Cada vez mais, temos sido convidados a revisitar o vocábulo e compreendê-lo sob uma conotação bem mais abrangente. As mudanças ocorrem em várias frentes, daí a necessidade de coadunar permanentemente os conceito de crise e carreira em tempos de transformação. Na série Gestão da carreira em tempos de crise, o headhunter Darcio Crespi, sócio da Heidrick & Struggles, traz seu ponto de vista sobre essa jornada.

Panorama Executivo – No Brasil atual, crise é uma palavra que guarda relação imediata com o contexto político e econômico do país. Extrapolando essa dimensão e incluindo as instabilidades e as transformações que se impõem no ambiente de negócios e nas relações de trabalho, aqui e em outras partes do mundo, como avalia essa questão do ponto de vista da gestão da carreira?

Darcio Crespi – Nos últimos tempos, se há algo que se mantém constante é a instabilidade. Ela se faz presente na economia, na política, nas operações dos negócios e nos impactos decorrentes dos avanços tecnológicos. Chega a ser assustador o número de empresas que desapareceram na última década, seja porque quebraram ou fecharam as portas, seja pelo fato de terem sido fundidas ou absorvidas por outras estruturas. Há também os casos de falência tecnológica, envolvendo companhias que, sem se antecipar às mudanças, não acompanham a evolução, ingressando na obsolescência. Obviamente, todo esse contexto interfere e traz impacto para a vida dos profissionais e para a gestão da carreira.

Panorama Executivo – E como esse impacto se dá na prática?

Darcio Crespi – Outro dia, entrevistei um profissional de uma empresa interessante, de grande porte. Após fazer a startup da subsidiária brasileira, o executivo teve seu escopo ampliado para as Américas e estava sendo preparado para assumir uma posição global até meados de 2018. Ocorre que, no meio do caminho, houve a decisão estratégica de vender a divisão de negócios à qual ele estava atrelado. Ele havia feito um planejamento de carreira, dentro de uma perspectiva de crescimento vertical em uma organização robusta. No entanto, o jogo mudou, ocasionando incerteza e indefinição quanto ao seu futuro profissional. Não se trata, evidentemente, de uma história de exceção. Casos como esse são até bem comuns. A pessoa está dentro da organização, trabalhando para trilhar um determinado percurso e, de repente, o caminho desaparece.

Panorama Executivo – Mas uma gestão eficaz da carreira não deveria levar em consideração essas possibilidades de revés?

Darcio Crespi – Nas crises, muitas vezes aquele que é piloto de sua carreira perde o manche e se vê colocado no banco do carona. O importante é, em algum momento, retomar o comando. Temporariamente, pode até ser conveniente pular para o banco do passageiro e avaliar o percurso, vendo aonde ele vai dar, mas sempre de modo consciente, trabalhando para reassumir o controle do próprio voo.

“Teremos pela frente tempos de incerteza, e haverá necessidade de tomar riscos”

Panorama Executivo – Atuar em uma empresa grande e sólida não já não representaria mais um salvo-conduto para uma carreira mais estável?

Darcio Crespi – Até os anos 90, as pessoas entravam numa empresa e faziam um traçado de carreira linear, com boas chances de que planejado se realizasse. As coisas ficavam um pouco mais complicadas lá no topo, onde cabe menos gente, mas o restante da carreira seguia certa previsibilidade. No trabalho de hunting, havia mesmo certa dificuldade em atrair executivos de determinadas empresas, reconhecidas como empregadoras que ofereciam muitas oportunidades e um traçado de carreira no qual, performando adequadamente, o profissional deslanchava e, lá no final, ainda contava com um belo plano de pensão. Isso acabou. Mesmo gigantes estão se fundindo, adotando novos parâmetros. O pior é que, ao se dar conta das mudanças e finalmente olhar para fora, quem vivia nesse pretenso oásis encontrou no mundo externo um ar de desconfiança acerca de sua possibilidade de adaptação a um ambiente mais competitivo e desafiador.

Panorama Executivo – De que forma, então, fazer uma gestão mais assertiva da carreira?

Darcio Crespi – Primeiramente, desenvolvendo a consciência de serem muito pequenas as chances de, no prazo de cinco anos, vir a se tornar aquilo que imaginara para seu futuro. A estabilidade e o crescimento econômico são variáveis que ficaram para trás. Teremos pela frente tempos de incertezas, recheados de acontecimentos que minam a sensação de segurança. Haverá necessidade de administrar essa situação e de tomar riscos sem ser demasiadamente pessimista, porque isso pode levar à imobilidade, nem otimista demais, de modo a não sair de peito aberto e se ver diante de uma encruzilhada que pode causar grandes danos. É preciso ter abertura para as mudanças. O incerto é o que há de mais certo na linha do horizonte. Parafraseando a música do Johnny Alf, o inesperado faz uma surpresa, e é preciso saber lidar com isso.

“O crucial é chegar à senioridade com um nível intenso de network”

Panorama Executivo – Como as gerações mais jovens lidam com os novos parâmetros?

Darcio Crespi – Os jovens buscam algo mais desafiante e desestruturado, com maior dose de criação e um componente de tecnologia alto. Eles já nasceram nesse cenário de mudanças rápidas e constantes, então lidam melhor com esse ambiente volátil. Empresas como Google, Facebook e Linkedin passam a ser o sonho de consumo, enquanto as mais tradicionais, mesmo as que têm vigorosos programas de trainee, encontram alguma dificuldade de atrair esse público. Para sobrepor os obstáculos, acenam com capacitação e treinamento, rápida exposição a experiências de responsabilidade, agregação de conhecimento e cuidado com o indivíduo.

Panorama Executivo – E quanto aos profissionais mais seniores? A expectativa de vida segue crescendo, criando a necessidade de que as pessoas permaneçam na ativa por mais tempo, o que nem sempre é fácil, especialmente em tempos incertos e de grandes mudanças.

Darcio Crespi – Para aqueles que chegam próximos à aposentadoria sem atingir uma posição de maior envergadura e sem contar com um relacionamento de mercado mais vigoroso, as dificuldades de realocação costumam ser bem maiores. Muitos profissionais seniores oriundos de grandes companhias vão encontrar oportunidades de trabalho em empresas de outro patamar, em estruturas menores. Muitas vezes, devido aos custos inerentes à contratação, atuam como consultores e prestadores de serviços. Acabam tendo papel importante para o desenvolvimento dos negócios, uma vez que aportam conhecimento relevante, mas trabalham em bases diferentes daquelas que norteavam sua atuação anterior.

Panorama Executivo – Para os que se aposentam em posições de diretoria ou presidência, as oportunidades são mais promissoras?

Darcio Crespi – Sim, esse grupo dispõe de alternativas maiores, até porque, em tempos de crise, as empresas valorizam quem tem cabelo branco e experiência. São executivos que podem agregar conhecimento, processo e tranquilidade para a travessia das turbulências, seja em posições de direção e presidência, seja como conselheiro ou consultor. O crucial é chegar à senioridade com um nível intenso de network. Quando os demais conhecem suas habilidades e o progresso que alcançou na trajetória, abre-se o espaço para indicações, possibilitando que o profissional possa chegar aonde ele quer.

Veja também: Dilemas de carreira, com José Augusto Figueiredo, de Lee Hecht Harisson

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