Gente & Gestão

Gestão da carreira

em tempos de crise

Quem imaginaria que o Brasil, há poucos anos a bola da vez e usufruindo do pleno emprego, se tornaria um país com mais de 14 milhões de desempregados? Pois a realidade está aí, desafiando os profissionais que, passada a tempestade, querem estar prontos para um novo ciclo de crescimento. O Panorama Executivo estreia o Gente & Gestão com uma série sobre o tema. Para começar, a análise de Vicky Bloch, da VicKy Bloch Associados.

Vicky Bloch Vicky Bloch Associados

Panorama Executivo – A crise atual sempre parece a mais terrível para quem a vive. Na história recente do Brasil, temos paralelos com a situação enfrentada hoje pelos profissionais do país diante do desafio de gerir a carreira em tempos adversos?

Vicky Bloch – O Brasil vivenciou uma situação de crise na década de 90 que guarda alguma semelhança com a realidade atual. De 1990 a 1995 atingimos a marca de 12 milhões de desempregados no país. A diferença, e não sei dizer se para melhor ou pior, é que, àquela época, não havia a menor noção do que significava fazer gestão da carreira. Na esteira da era da industrialização, as pessoas simplesmente não sabiam o que era ter a carreira nas próprias mãos. A consciência só ocorreu quando esse contingente todo perdeu o emprego. Com o Brasil se abrindo para a globalização, muitas pessoas se viram obsoletas, no sentido de não se adequarem às demandas do mundo do futuro.

Panorama Executivo – E o que aconteceu no universo do trabalho?

Vicky Bloch – As estruturas encolheram, e a diminuição de vários níveis praticamente dizimou a média gerência. De início, não houve a otimização de processos nas organizações, até porque os resultados empresariais se beneficiavam da ciranda de aplicações no mercado financeiro. Em determinado momento, o chamado à competitividade acabou se impondo, o que tornou imperativa a revisão de processos e práticas, em uma dinâmica que, todavia, não devolveu ao mercado as posições existentes até então. Para os indivíduos, isso significou um grande choque, suscitando a reflexão e a busca de alternativas para garantir trabalho e renda, ainda que em condições menos favoráveis do que a anterior.

“Pensei que a experiência passada tivesse

nos deixado várias lições. Ledo engano”

Panorama Executivo – Naquela ocasião, os serviços de outplacement ganharam visibilidade, não? Muitos executivos demitidos receberam esse apoio de seus ex-empregadores para fazer a transição de carreira.

Vicky Bloch – Verdade. Pois eu pensei que a experiência passada tivesse nos deixado várias lições sobre a importância de tratar com dignidade as pessoas na demissão e de fornecer suporte para seu reposicionamento na carreira e na vida. Ledo engano. Os aprendizados que deveríamos ter feito ficaram em algum lugar pelo caminho, e essa constatação gera em mim certa frustração, pois empreendi grandes esforços no sentido de criar essa consciência, tanto por parte das empresas e seus dirigentes, quanto por parte dos profissionais.

Panorama Executivo – Como você avalia a questão hoje, sob a ótica das empresas?

Vicky Bloch – São plenas as condições de apoiar as pessoas para que compreendam o contexto e possam se preparar para atuar de acordo com os novos paradigmas das relações de trabalho. Entendo que haja mesmo um aspecto de responsabilidade social enquanto empregador, pois a problemática da demissão transcende o indivíduo para se tornar uma questão mais ampla, que exige visão sistêmica. O suporte ao profissional desligado contribui para a retomada da economia e para a credibilidade das relações na própria organização. Contudo, na prática, o que se constata é que essa responsabilidade não vem sendo exercida nos dias atuais.

Panorama Executivo – E do ponto de vista dos profissionais, qual a sua análise?

Vicky Bloch –. A grande maioria dos cerca de 14 milhões de desempregados do país está em busca de emprego, segundo a concepção clássica desse termo, ou seja, sob a ótica de um conceito antiquado de vínculo. O horizonte que se abre hoje pressupõe a oferta de trabalho, e não de emprego. Há demanda por servidores eventuais, agrupados por projetos ou causas, que se organizam em grupos e formam uma grande de rede de relacionamentos.

“As relações estão calcadas no curto prazo, 

sem espaço para discutir desenvolvimento e carreira”

Panorama Executivo – E como está a qualidade das relações no mundo corporativo?

Vicky Bloch – Em muitas empresas, imperam as agendas individuais, causando uma miopia quanto à compreensão de que o todo é maior do que a parte. Essa postura afeta o clima e o ciclo evolutivo das organizações, suprimindo o espaço da confiança, da admiração para com os líderes e do estabelecimento de parcerias, inclusive no que se refere ao desenvolvimento das carreiras. Vemos que as relações estão calcadas no curto prazo, sem espaço para discutir esse aspecto. E é assim que, sem ter o devido suporte, o profissional não hesita em deixar o empregador diante de uma oportunidade que soe melhor.

Panorama Executivo – Como fazer a gestão da carreira em tempos tão complexos?

Vicky Bloch – A carreira não deve ser confundida com a profissão escolhida, até porque há sempre o risco dessa última se tornar obsoleta e anacrônica com o tempo, deixando mesmo de existir. Ou seja, carreira tem a ver com o exercício do autoconhecimento, com testar competências e não parar nunca de aprender. Diz respeito ao conteúdo de atividades e ao acúmulo de ciclos, arsenal que confere às pessoas novas possibilidades e alternativas no campo profissional. É isso que faz a diferença na hora de buscar um reposicionamento – e a expressão mais apropriada é mesmo reposicionamento e não recolocação no mercado.

Panorama Executivo – Quais os caminhos para esse reposicionamento?

Vicky Bloch – O autoconhecimento é o navegador, o elemento que ajuda a rastrear e encontrar as atividades para as quais você vem se preparando ao longo da trajetória. O curto prazo deve servir como um viabilizador do médio e do longo termo, uma ponte para a próxima etapa. Se você integra o contingente dos 14 milhões de desempregados no país, tenha a certeza de que o fator diferencial de sua transição está na gestão da autoestima, no quanto você sabe a respeito de si e em sua capacidade de explorar a rede de relacionamento como multiplicador das suas competências, não no sentido de pedir ajuda, mas para oferecer valor.